domingo, 24 de janeiro de 2010

O Sr. Monteiro

Bem, inevitavelmente um dia teria que escrever sobre o “pequeno grande homem” que é conhecido de todos os que passaram pelo Liceu nos anos 50/60, e foi o autor dos versos que na semana passada aqui publicámos, neste espaço e que nos deu uma verdadeira lição de gastronomia macaense em quadras, uma obra-prima! Conheciamo-lo por “Senhor Monteiro” e é hoje que vou recordar a saudosa figura do saudoso “Senhor Monteiro”. Figura ímpar o “poeta soldado”da literatura macaense, um perfeito “self-made man” um autodidacta, designação que lhe assenta como uma luva e que nos deixou um legado muito importante! Para além de uma família muito numerosa e respeitada por todos, da qual tive e tenho a honra de ser amigo de alguns dos seus filhos, também eles ilustres Macaenses, diga-se de passagem.
Voltando ao velho Liceu onde estudei, construído nos primeiros aterros da Praia Grande, onde hoje se situa o edifício do Banco da China e os prédios contíguos até ao dito “espaço Sintra” (o único talhão que resta do extinto campo de futebol que mais tarde foi cimentado e passou a ser de basquetebol), nessa época por quem nutríamos um respeito enorme era precisamente pelo Senhor Monteiro, que era o verdadeiro “contínuo” do Liceu. Era ele que nos “pacificava” na ausência dos professores, ou antes das aulas começarem, pois normalmente a balbúrdia estava sempre instalada! Mas bastava a sua presença na sala para não se ouvir nem uma mosca! Usava sempre fato e gravata escura, com um bigodinho rigorosamente bem aparado, tinha um nariz comprido, muito austero, de baixa estatura mas rijo e de cigarrinho sempre aceso na ponta dos lábios.
Era, sem dúvida, uma personalidade distinta no nosso Liceu. Passava horas a fio atrás de uma “muralha de livros” muito espessos e de dicionários e …escrevia… escrevia sem parar…! Escrever era o seu passatempo ou como se diz agora o seu “hobby”, a sua ocupação dos tempos livres. Era de facto um exemplo dignificante, para nós estudantes que só queríamos mesmo era brincar e jogar á bola e pouco ou nada ligávamos aos livros. Naturalmente a nossa curiosidade de miúdos, levava-nos a perguntar-lhe muito respeitosamente, sem o querer incomodar, o que significava aquele aparato todo na sua secretária e por que razão estava sempre acompanhado por tão grandes livros, dicionários e gramáticas…!? Nunca obtive uma resposta imediata.
Viemos todos a obtê-la passado poucos anos quando ao necessitarmos de um livro fomos à biblioteca e aí sim… lá estava a resposta de todo aquele aturado trabalho de pesquisas que o ocuparam por duas décadas pelo menos (ou seria toda uma vida!) à secretária nos corredores do Liceu Nacional Infante D. Henrique – os vários livros que publicou. Deixo-vos com uma recomendação muito sentida, leiam ou releiam sem falta a obra deste generoso e ilustríssimo poeta e escritor português que dedicou praticamente toda a sua vida a Macau desde que aqui chegou como soldado, para cumprir o serviço militar obrigatório e que como disse Camões “para além da morte se libertou” visto que Macau dele nunca se esquecerá e a sua presença está sempre presente. Obrigado “Senhor Monteiro”!
Artigo de Luís Machado, Secretário-geral do Conselho Permanente do Conselho das Comunidades Macaenses, publicado no Jornal Tribuna de Macau em Janeiro de 2010

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